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A autocompaixão é tão crítica para a felicidade quanto a nossa compaixão pelos outros, se não mais… Mas para muitas pessoas, ela parece tão estranha e desconfortável como andar sobre as mãos.

Thupten Jinpa – Um Coração Sem Medo

Todos os cuidadores já se depararam, nalgum momento, com a dificuldade entre equilibrar aquilo que queremos oferecer ao mundo e o que somos capazes de oferecer a nós mesmos. Seria de esperar que esta fonte natural de compaixão, que estendemos a quem nos rodeia, fosse também um lugar de amparo quando vivemos uma dificuldade, sentimos que falhamos, ou quando simplesmente seria importante atender às nossas necessidades fundamentais.

Mas porque é que este equilíbrio é tão desafiante? Talvez nunca tenhamos refletido no facto de que a autocompaixão é uma âncora para o bem-estar, talvez nos tenham dito que devemos ficar para último lugar ou talvez não saibamos como fazer. Seja como for, estamos sempre a tempo de reconhecer e gerir alguns dos hábitos mentais que nos previnem de cuidar melhor de nós.

Abrandar o piloto automático

Pesquisas científicas indicam que passamos 47% do tempo ausentes das tarefas que temos entre mãos. Este número mostra que vivemos uma parte significativa do dia em piloto automático, pouco conscientes daquilo que se passa no nosso mundo interno de pensamentos, emoções e sensações. Cultivar uma mente presente, treinando a atenção, vai suportar-nos no processo de reconhecer o que sentimos e aquilo de que necessitamos, momento-a-momento.

Conhecer e suavizar a voz autocrítica

Os nossos pensamentos parecem ter vida própria e revelar verdades inquestionáveis, muitas vezes expressando-se num tom exigente, intolerante e crítico. Observar estes pensamentos com uma atitude questionadora e compreender que existe a possibilidade de dialogarmos e agirmos connosco mesmos com aceitação e gentileza, vai permitir-nos encontrar “dentro de casa” um espaço de segurança que pode acomodar qualquer dificuldade.

Reduzir as barreiras do isolamento

Quando passamos por momentos de sofrimento, é comum sentirmo-nos sozinhos nessa dor, e essa solidão acaba frequentemente por exacerbar a experiência, deixando-nos desorientados e com pouco acesso aos recursos internos que já temos para lidar com a situação. Recordar que essa sensação de separação é aparente, e que as raízes do nosso sofrimento são partilhadas com todos os seres humanos, ajuda-nos a ganhar perspetiva, a ressignificar experiências e a colocarmo-nos ao serviço do mundo com mais músculo emocional.

Kristin Neff, pioneira na investigação da autocompaixão, definiu os elementos descritos anteriormente como os três pilares da autocompaixão: mindfulness, bondade para consigo mesmo e humanidade comum. De uma perspetiva mais informal, ela convida-nos a pensar na autocompaixão como uma “forma de nos tratarmos a nós próprios, da mesma maneira que tratamos uma pessoa querida quando ela está a passar por uma dificuldade”.

Como nutrir estes três elementos?

Para semearmos uma transformação sustentada, é importante expormo-nos a práticas formais (meditação) e informais (integrando estratégias simples no dia-a-dia), como as que se seguem:

Enraizar: antes de uma consulta, conversa, ou uma visita a um paciente, tomamos um momento para estabilizar e sentir os pés em contacto com o chão. Desta forma, damo-nos a oportunidade de encerrar o que aconteceu até ali e abrirmo-nos para um novo início.

Suavizar: quando sentirmos uma emoção desafiante, podemos oferecer a nós próprios um gesto de carinho, acompanhado de algumas palavras de encorajamento, expressas num tom suave e gentil.

Conectar: quando estivermos perante um momento de sofrimento, recordamos a importância de nos incluir no círculo de cuidado, e ao desejarmos o melhor para a outra pessoa, desejamos também o melhor para nós.

Se decidirmos mergulhar nestes elementos da autocompaixão, eis alguns dos benefícios que podemos esperar: Seremos capazes de oferecer uma presença mais estável e segura, o que nos permitirá escutar mais profundamente, e conectar com as verdadeiras necessidades daqueles que encontramos. O músculo da compaixão será fortalecido, o que nos tornará capazes de aliviar o sofrimento sem nos perdermos. Individualmente, encontraremos um espaço de relaxamento e estabilidade interna, e vamos aprender a acarinhar e a cuidar do nosso sofrimento sem o rejeitar, mas escolhendo os melhores meios para o aliviar, tendo em conta o nosso bem-estar de longo prazo.

Catarina Távora, facilitadora do programa Mindful Self-Compassion, criado pela Dr.ª Kristin Neff (UT Austin) e pelo Dr. Christopher Germer (Harvard Medical School)

Artigo publicado na revista Live Medicina Interna